eu e minha metade inteira

eu e minha metade inteira
quinta da boa vista, quase ontem

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Nomes, lugares e istas foram trocados para manter a identidade da protagonista, o resto é história mesmo, como foi ou como me contaram

Lela é uma moça muito solidária.
Nos idos de 90 já foi marxista, leninista e trotskista.
Hoje largou os istas e se dedica a transcendência humana, holística. Continua solidária, e de coragem!
Mas todos sabem que Lela foge de um enfrentamento policial mais do que o diabo da cruz!
Então só há uma razão no mundo que faça Lela ir a uma manifestação pública.
A certeza, inabalável, que não haverá enfrentamento.
E só há uma outra razão para que ela volte, dia após dia, e só não vai de noite porque não pode, a tal manifestação pública: ter a certeza que encontrará a maior quantidade de homi bão por metro quadrado em todo o território nacional e talvez, internacional!!!
Viva a solidariedade lelistica!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
Meu exercício de escrita hoje, se dá via blog, é claro que escrevo quase sempre primeiro no papel, depois no Word, mudo letra, mexo aqui e ali e depois publico no blog, mas a finalidade da escrita tem sido este espaço, ou seja, esse caminho desencaminhado. E é muito bom ter amigas leitoras, afinal sei que meus textos encontrarão olhares atentos em Bê, Fabi, Mel, Val, Pri e Lê (embora me deva a leitura do texto que deixo aqui com o link para ela não arrumar desculpa), e por ventura, outros leitores, porque é impossível rastrear todos que lêem, embora eu ache sempre bom deixar um comentário.
No entanto, minha sede de interação instantânea tem sido aplacada pelo facebook, o que acabou me afastando deste espaço aqui. E, uma tendinite me fez adiar o projeto de escrever aos poucos dos livros que li ultimamente.
Então, peço paciência para as leitoras, mas que , por favor, leiam as postagens a seguir.
Antes tarde do que nunca!

Começar pelo meio

Como vocês sabem a Prefeitura do Rio tem um projeto chamado “Rio, uma cidade de leitores”, dentro deste projeto temos uma ação da Secretaria de Educação, a “Biblioteca do Professor”. Quatro vezes ao ano escolhemos pela internet entre alguns títulos nacionais e estrangeiros, 2 livros, os 4 mais votados (sendo 2 nacionais e 2 estrangeiros) chegam as escolas para que cada professor escolha 2 (1 de literatura nacional e o outro de literatura estrangeira). Essa explicação toda não é para fazer propaganda da Prefeitura, mas para introduzir o que falarei a seguir: como o caminho para a formação do leitor e muito especificamente, do professor leitor é árduo e esquisito.
Tive o prazer de, neste último fim de semana participar da jornada CESPEB (programa de especialização em Educação Pública da UFRJ) e ouvir uma fala que gostei muito e que casou com um livro que estou lendo “Caminhos para a formação do leitor”. Na jornada, uma professora falando sobre leitura literária nas escolas, falou que é importante dizer que nem sempre leitura é delícia, as vezes ler é muito difícil, exige uma concentração e dedicação muito grande, no livro, Ricardo Azevedo nos fala que precisamos desmistificar essa imagem da leitura como um mundo perfeito e mágico, por que  a literatura, por tratar de assuntos humanos, portanto contraditórios e complexos, muitas vezes é dolorosa. Lembrei dos textos que li e nunca entendi,  da dificuldade de saber o que Hanna Arendt queria dizer, por exemplo, mas lembro de ler (e trocar com a Val) livros de Foulcault como se fosse literatura, aliás, leio com igual tesão e descompromisso livros de literatura e livros de psiquiatria, direito, história, sociologia, pedagogia.
Mas enfim, o que vim aqui dizer é, que apesar de poder mos contestar a política de entrega dos livros, dizendo que o ideal era termos um salário digno que nos permitisse comprar o bem que nos conviesse, é inegável que muitos professores desprezam por completo esta iniciativa. Alguns dizem, em redes sociais por exemplo, que nenhum livro até o momento prestou, que todos os títulos são horrorosos, pondo em cheque a seleção dos livros e até mesmo a escolha (só pra dar uma ideia já recebemos: Saramago, Pablo Neruda, Chico Buarque, Daniel Pennac, João Cabral de Melo Neto, Clarice Lispector, Mario Quintana, Maria Colasanti, Gabriel Garcia Marques e Dostoievski, só pra citar os mais famosos), muitos professores simplesmente não pegam os livros e alegam os mais variados porquês: não tenho lugar pra guardar, não gosto de ler, não me interesso por literatura (essa veio de uma professora de Português!!!), e a maior de todas, não tenho tempo de ler. Bem, eu devo ser uma pessoa absolutamente a toa e que tenho o privilégio de fazer o que quiser com o meu tempo, porque sempre estou lendo!
Cada vez mais acho que a formação do leitor deve ser intensificada com os professores, formadores em potencial. Como dizer que ler é mais do que delicioso, é NECESSÁRIO, vital, se eu acho normal passar um dia inteiro sem ler uma linha de um livro (ou de um blog,RS)?! Como acordar, tomar café, pegar um ônibus, sem um livro no colo???
Eu começo as reuniões com os professores do CIEP com uma leitura, sempre. Cinco minutos, é muito? E se todos nós fizéssemos isso? Fazer com os adultos aquilo que gostaríamos que eles fizessem com as crianças?
Começar do começo ou do meio ou do fim, mas com a certeza que é preciso começar.

Hoje, como ontem.

Vocês sabem que leio livros não literários como se fossem. Isso quer dizer que leio pelo prazer de lê-los, não para estudar, ou para fazer trabalho, ou para nada disso, mas porque me dá prazer mesmo. Lembro nos idos de 97, 98, que li A Revolução Francesa, de Michelet, como um romance mesmo, chorando, lendo pros amigos... lembro que carregava o livro, de umas 500 páginas na bolsa e, nessa época, indo pra praia a noite, fazia muito isso, e lendo pros amigos que ia encontrar, olha que beleza!!!! E assim foi com Foucault, Gadotti e sempre com Freire.
Li, dessa maneira, Pedagogia: diálogo e conflito, e recomendo para todos.
Esse livro, publicado em 1985, trata de diferentes questões sobre educação, ele é fruto das palestras, conferências e conversas que Freire, Gadotti e Sérgio Guimarães passaram a vida fazendo pelo Brasil e principalmente com a abertura política pós ditadura militar. E lá, em 1985 um dos pontos cruciais era a violência escolar, tão discutidas hoje, como ontem. Outra questão tão atual é a função que a escola assume em uma sociedade que falta muita coisa, transcrevo “... a merenda escolar, que tem funcionado como o grande fixador do aluno na escola. É lamentável, mas é assim. A escola não deveria ter a função de restaurante, mas, por falta de uma política social em favor das classes populares, hoje a merenda escolar é pré requisito para se diminuir a evasão e a repetência. A que ponto chegamos!” e eu completo, a que ponto continuamos....
Essa escola, de mais de 20 anos atrás é a escola do passado, que muitos de nós diz que era muiiiiiiito boa! E o livro traz também a implantação do Ciclo Básico como uma tentativa de manter o aluno mais tempo na escola, mas como uma medida que precisava ser superada. Ainda não foi.
Muitos falam do Freire como um mestre e um ícone de ontem. Não, ontem como hoje pensar na Pedagogia do conflito, do oprimido, da esperança, da indignação, é urgente e preciso.

Conversa sobre o tempo

Tem tempo que não falo dos livros que li, então vamos lá:
Conversa sobre o tempo, entre Zuenir Ventura e Luis Fernando Veríssimo, com Arthur Dapieve. Delícia! O Zuenir fala quase que o tempo todo, já que o Veríssimo é tímido e de poucas palavras, mas quando fala, certeiro! Um livro gostoso, com jeito de conversa mesmo, mediada pelo Arthur, leve e denso ao mesmo tempo. Falam de paixões, política, amores, família e morte, como falar do tempo sem falar da morte? E falam também da tarefa de escrever, penosa e dura. E que a ler é muito melhor que escrever. Engraçado ouvir isso de escritores, né? Bem um livro gostoso desses pra ler sem compromisso, com uma xícara de café na mão.

Liberdade, liberdade , abre as asas sobre nós

Fiquei com receio de ler o livro da Ingrid Bitancourt, tinha medo de que ela metesse o malho das FARC com um discurso imperialista. Não sou Farquista, não sou a favor dos seus métodos e meios, e questiono ideologicamente, mas é um questionamento de esquerda, não de direita. Estava com receio de acabar dando razão ao sequestro, de tanto ler uma leitura direitosa sobre as FARC. Nada disso aconteceu, Não há silêncio que não termine, é um livro porreta.
Ele é daqueles livros que te prendem até a última gota, você lê como se fosse livro de ficção, até porque é muito difícil acreditar ou assumir que aquilo tudo fosse verdade. Ingrid escreve lindamente, visceralmente. É um livro que te angustia, que você chora, que você ri, que você torce para que dê certo. A relação que  mantém com os presos e com os farquianos, a importância que pequenas coisas tomam, a dimensão da solidão no meio da floresta, da incerteza, nos leva muito além da Colômbia, nos leva até o íntimo da condição humana.
“pois descobri que o que os outros têm de mais precioso a nos oferecer é o tempo, ao qual a morte dá seu valor” (Ingrid falando de um farquiano que a ensina a fazer um cinto artesanalmente e que ela passa a fazer como um presente para seus filhos no aniversário de cada um, como uma maneira de contar o tempo, dar sentido a própria vida)
“ele teve escolha!(...) aquele homem não era um autômato programado para fazer o bem e sofrer um castigo em nome da humanidade” (Ingrid refletindo sobre a bíblia e Jesus, em seu primeiro milagre, a expressão de Maria e a escolha que muda seu destino)
“e fiz uma promessa pra mim mesmo: se um dia eu saísse dali, eu aprenderia a cozinhar para aqueles que amo” lindo né?! De tão simples, carrega toda a emoção do mundo!
Ah.... e a leitura compartilhada em plena selva??? Escuta essa Lê: “Escute, se quiser podemos ler juntos: eu leio de manhã, passo o livro ao meio dia e você me devolve a noite” Sabe de qual livro estamos falando?! Harry Potter e a Câmara secreta!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! Na selva colombiana salvando almas da solidão!
“eu ainda conservava a mais preciosa liberdade, que ninguém jamais poderia tirar: a liberdade de decidir quem eu queria ser.”

Um elefante encanta muita gente...

Tem livro que empaca, eu empaque na Viagem do Elefante de Saramago. Comecei a ler umas 3 ou 4 vezes e empacava, colocava de lado e demorava tempos pra retornar. Aí começava pelo começo e lá pelas tantas empacava de novo. Decidi esse ano desempacar umas leituras que ao longo dos anos ficaram d elado, desempacar ou desencanar de vez, porque como muito sabiamente me libertou Pennac, um dos direitos do leitor é o direito de não ler (Daniel Pennac em Como um Romance). Mas toda vez que deixo um livro de lado sinto uma dó... então resolvi que esse ano eu tentaria desempacar alguns e , caso não conseguisse, iria deixá-los de lado para sempre! (ou até dar vontade de ler de novo, mas sem tristeza).
Viagem do Elefante foi desempacado! Li num pulo. Não é um dos mais apaixonantes do Saramago (o último dele que li havia sido o Homem Duplicado que me deixou tonta de tão bom) mas é sereno e gostoso. Dá vontade de ter um Salomão, de correr no zoológico e fazer carinho na tromba do elefante.
E como sempre, Saramago nos brinda com suas pérolas deliciosas e suas cotoveladas no cristianismo. Em um dado momento, o cornaca (tratador de elefante), indiano, resolve vender pelos de elefante dizendo que fará nascer cabelos, e reflete que apesar da abundância de deuses em sua cultura, eles estão muito menos propícios as supertições do que os cristãos e fala a seguinte frase, linda, linda, linda: “Ter que pagar pelos próprios sonhos deve ser o pior dos desesperos”. Nossa! Dá uma tese, não dá não Bê?!
Saramago, Leiamos!!!

“Na noite misteriosa das macumbas, os atabaques ressoam como clarins de guerra”

Cheguei enfim ao grande amor do ano, ao livro que me fez me apaixonar, rir, chorar, gritar, sonhar e não dormir. Capitães da Areia. Virou meu livro preferido!!!!
Vou contar um episódio de minha vida para entenderem a relação com a temática: trabalho com alunos que cumprem medidas sócio-educativas, meninos-homens bandidos (?!) delinqüentes, de rua, na rua, e apesar de toda a crueldade em seus atos, seus olhos, quando permitem que olhemos, ainda trazem doçura. Não posso deixar de pensar o que lhes faltou e o que lhes sobrou ao longo da vida. Conversando com eles na época em que estava lendo Capitães da Areia, um desses alunos chegou pra mim e perguntou se eu era casada, disse que não, ele me pediu em casamento! Eu ri, levei na brincadeira, disse que ele era muito novo pra mim, ela argumentou, sabiamente, que pra essas coisas idade não tinha problema nenhum não. Ele perguntou se eu casava com ele, mas por trás disso tem um monte de outras perguntas: você mês escuta?, você me dá atenção?, você me dá bronca?, diz que eu to errado? Me defende? Dá o que eu não tive nunca?
Mas mais do que essa questão, Capitães da Areia é a Bahia que eu pisei, é a Bahia que eu não pisei, é o imaginário dos delinquentes, esfarrapados, andarilhos, dos Exus e Pombas-giras, das macumbas e batuques, é a Bahia de Todos os Santos e de todas as crenças. E é também a Terra do Nunca. Sim, porque tantos pros meninos perdidos como para os capitães, crescer era impossível, era a expulsão do mundo que viviam. E ambos tinham seu Pedro.
“Vestidos de farrapos, sujos, semi-esfomeados, agressivos, soltando palavrões e fumando pontas de cigarro, eram, em verdade, os donos da cidade, os que a conheciam totalmente, os que a amavam, os seus poetas.” Capitães da Areia
“Tome muito cuidado se lhe aparecer uma aventura porque, se você for em frente, vai acabar mergulhando em um desespero profundo” Peter Pan
“Todos queriam sangue, menos os meninos perdidos (mas poderia ser os Capitães) – que em gral, também queriam, mas esta noite só saíram para cumprimentar seu chefe” – Pedro Bala ou Peter Pan?
“Na sua frente estava a cidade misteriosa, e ele partiu para conquistá-la. A cidade da Bahia negra e religiosa, é quase tão misteriosa como o verde mar.”
“Havia, é verdade, a grande liberdade das ruas. Mas havia também o abandono de qualquer carinho, a falta de todas as palavras boas.”
E a Wendy não é a Dora: irmã, mãe, noiva e esposa????? As duas costuravam, cantavam para eles dormirem, a princípio não iam para as ruas, depois quiseram conquistar seu espaço.
Sou louca por Peter Pan e fiquei louca com Pedro Bala, amando Barrie e Jorge Amado, crio uma ponte entre dois mundos fantásticos. Viva a Literatura!